domingo, 8 de julho de 2007

Entrevista com Mario Mantovani

A Fundação SOS Mata Atlântica foi fundada em setembro de 1986 e é a maior ONG do país. Seus principais objetivos são “defender os remanescentes da Mata Atlântica, valorizar a identidade física e cultural das comunidades humanas que os habitam e conservar os riquíssimos patrimônios natural, histórico e cultural dessas regiões, buscando o seu desenvolvimento sustentado.”
Falar de Mario Mantovani é falar da SOS, e vice-versa. Ele é uma das maiores personalidades da preservação ambiental no Brasil e dispensa maiores apresentações.
"...Somos tão poucos e tão divididos... Os ruralistas e inimigos da Mata Atlântica agradecem!" - Mario Mantovani Imagem web.

* Entrevista exclusiva gentilmente concedida para o Pitacos da Lontra em novembro de 2006.
Fernando José Pimentel Teixeira e Christiane de Souza Pimentel Teixeira
Fernando e Chris: Mario, onde você nasceu e como foi sua infância? Quando criança qual era sua relação com a natureza?
Mario Mantovani: Nasci em Assis no interior do Estado de São Paulo, próximo ao Paraná e Mato Grosso, e a 50 anos atrás não tinha televisão... então a vida ao ar livre me ensinou muito... Minhas primeiras lições de amor a natureza foram em cima de trens de carga...indo para o desconhecido interior vendo estrelas com um Atlas celeste na mão. Quando não fazendo jornadas (caminhadas) a pé pela região e visitando a Grande Reserva do Pontal do Paranapanema no Morro do Diabo, descendo os rios Paranapanema e do Peixe por dias e dias de canoa e nadando em todos esses rios e poças de água que achava, brincando muito na rua, namorando nas matas e cachoeiras e acampando com os escoteiros. Minha família achava isso muito estranho e não tinham vinculações com meio ambiente...dos cinco irmãos...eu era a ovelha verde da família.

Fernando e Chris: Quais as diferenças que você mais nota no Brasil daquela época em relação ao que você encontra hoje?
Mario Mantovani: A maior diferença está nas pessoas, naquela época, mesmo com a implantação da ditadura não havia desconfiança e o medo com relação ao outro. A natureza ainda está em seu lugar e a destruição seguiu o ritmo da nossa sociedade, nem melhor, nem pior... E o tema que era complicado e exótico, de um bando de sonhadores, hoje se concretiza no nosso dia a dia. Às vezes acertamos e muitas vezes temos reveses. Mas não deixamos de acreditar e sonhar. Vale a pena.

Mario numa entrevista no sofá global do Programa do Jô. Imagem Programa do Jô.

Fernando e Chris: Quando estudante universitário você já imaginava trabalhar em prol do meio ambiente ou tudo foi acontecendo de modo natural, inesperado?
Mario Mantovani: Minha carreira foi fruto de uma vida, já sabia o que queria ser desde os 10 anos de idade: geógrafo. Quase me entusiasmei pela Engenharia Florestal por influência de um diretor de parque na minha cidade e pelo sucesso dos investimentos dos incentivos fiscais em reflorestamento...mas quando conheci melhor o curso...desisti. Sempre gostei mais das ciências sociais e minha história com esse curso tem continuidade.

"...o Governador em questão deveria ser interditado por provocar intensos impactos ambientais..."

Fernando e Chris: O programa Terras Paulistas da TV Cultura SP sempre mostra com grande propriedade a decadência da cultura quatrocentão, dos cafeicultores, do desmatamento da Mata Atlântica e o empobrecimento da terra ocasionada pelo modelo devastador da monocultura. Num futuro que me parece próximo, qual será a visão do que a nossa geração está fazendo com o que restou do bioma Atlântico?
Mario Mantovani: Aprender com as lições do passado deveria ser um caminho para a humanidade, mas a ganância e os preços dos comodities cegam os empreendedores e estamos novamente reproduzindo o caminho das monoculturas e dependendo de uma única atividade, agora com a agravante das tecnologias que excluem mão de obra e a função social da terra, como a reserva legal e APP para produção de águas e benefícios ambientais são um empecilho ao desenvolvimento... Já vimos esse filme, o desastre anunciado...

Mario e o Senador Sibá Machado, na luta pela Lei da Mata Atlântica. Imagem web.

Fernando e Chris: O Governador de Santa Catarina Luiz Henrique da Silveira ganhou o prêmio "Motoserra de Ouro 2006". O estado é um dos dois que aumentaram a área desmatada ano passado. Sua área era de praticamente 100% de Mata Atlântica. Quando é que a Aliança para Proteção da Mata Atlântica irá focar seus incentivos para Santa Catarina? Fora a Mata de Araucárias, a Ombrófila Densa terá algum cuidado?
Mario Mantovani: A proposta é essa, estamos ampliando o programa para atender todo o bioma, nossos limites são a captação de recursos. É de se lamentar que o poder público não faça a sua parte e o Governador em questão deveria ser interditado por provocar intensos impactos ambientais, sem possibilidades de mitigação.
(*Nota do Pitacos: O V Edital do Programa de Incentivo às RPPN da Mata Atlântica abrange a região sul do Brasil. Veja mais informações na página da RPPN Rio das Lontras)

Fernando e Chris: Como você vê as críticas em cima da Lei da Mata Atlântica? Por mais que você acredite nela, te assusta pensar na possibilidade de abrir brechas para a destruição dos últimos remanescentes?
Mario Mantovani: Pra começo de conversa não são críticas, são insanidades de quem não participou de um processo de construção de uma identidade ambiental para o país, desconhecer os caminhos de nossa política partidária e o jogo dos interesses de quem realmente é contra a sociedade é o pior tipo de ignorância que enfrentamos. Muito mais fácil enfrentar um Borhausen ou os Miquelettos da vida, pois sabemos suas posições e os interesses de seus grupos, do que os pretensos ambientalistas que se aliam ao que de pior existe, por incapacidade política, falta de ética, e um certo egoísmo em não querer valorizar a luta de tantos, por questões de desentendimentos pessoais e até falta de vergonha na cara. Quanto mais restritiva as legislações e quanto menos incentivos e instrumentos de controle social dispusermos mais saídas e subterfúgios vamos ter para quem não quer cumprir um compromisso com a defesa do meio ambiente e da vida. Veja as leis de mananciais de São Paulo onde conseguimos as restrições máximas para proteger a água que bebemos e conseguimos uma cidade ilegal e criminosa. Somos tão poucos e tão divididos... Os ruralistas e inimigos da Mata Atlântica agradecem!!!!

Aqui ele faz o eterno trabalho de divulgação da causa ambiental: palestrando.
Imagem web.

Fernando e Chris: E até que ponto o IR Ecológico poderá beneficiar ações em prol da proteção do meio ambiente?
Mario Mantovani: Essa ação é uma forma de começarmos os pagamentos pelos serviços ambientais imediatamente e de revertermos a visão de que o meio ambiente atrapalha o desenvolvimento. Com isso conseguiremos mais recursos para quem quer trabalhar em defesa dessa causa e não termos tantas ONGs dependentes de Governos.
(*Nota do Pitacos: A Comissão de Finanças e Tributação aprovou em 20 de junho substitutivo ao Projeto de Lei 5974/05, do Senado, que cria o chamado Imposto de Renda (IR) Ecológico, permitindo a pessoas físicas e jurídicas deduzir parte das doações destinadas a projetos voltados à conservação dos recursos naturais.)

Fernando e Chris: Você viaja bastante. Quais os lugares mais interessantes de beleza e cultura que você encontrou pelo Brasil?

Mario Mantovani: Cada vez gosto mais desse país e de suas diversidade, por isso não conseguiria destacar um lugar ou situação. Nesse Brasil de tantas caras, paisagens e multicultural o melhor é viver intensamente todas essas sensações. Ao aprender a buscar superar as desigualdades sociais, superar o fosso que separa a imensa maioria pobre e os poucos ricos, a destruição do meio ambiente, a fome, a saúde precária e a falta de educação entre outras mazelas conseguimos tornar tudo isso matéria prima para nossa vontade de lutar e aperfeiçoar nossos ideais de vida.

Fernando e Chris: Se alguém confiável e com muito dinheiro te perguntar onde adquirir terras para criar uma RPPN, onde você sugeriria?
Mario Mantovani: Não acredito em Papai Noel, acredito que o pouco que temos precisa ser valorizado e o proprietário rural reconhecido...por isso indicaria incentivar quem já tem terra em qualquer lugar. Com isso conseguiríamos superar nosso maior problema ambiental do Brasil, a Regularização Fundiária.
Mario entre Alexandre Martinez da Confederação das RPPN e Chris. Foto: Arquivo pessoal RPPN Rio das Lontras.

Fernando e Chris: Quando a RPPN Rio das Lontras promoveu o histórico I° Fórum Catarinense das RPPN, a primeira vez que os proprietários se reuniram em Santa Catarina, a SOS Mata Atlântica esteve presente com sua então Diretora Jurídica. Numa outra oportunidade você esteve presente atendendo gentilmente nosso convite. Que tal a SOS Mata Atlântica abrir uma "filial" em Santa Catarina, voltada para a região sul? Brincadeiras a parte, não acha interessante diminuir a distância sul-sudeste?
Mario Mantovani: A SOS Mata Atlântica está em um bom momento e vive só da contribuição de seus sócios e seus projetos têm muito boa aceitação por parte dos parceiros, mas diferente de outros momentos, não pensamos em expansão geográfica, de pessoal ou de domínios, preferimos crescer junto com os parceiros e estamos caminhando pra isso. Precisamos consolidar nossas atividades, saber fidelizar nossos sócios e promover as parcerias que já estabelecemos, daí para buscar novos desafios, será mais um passo.

Fernando e Chris: Você já trabalhou pelo Governo Franco Monteiro em São Paulo para criar novos Conselhos Municipais de Meio Ambiente e ficou dez anos no Consema SP. Conquistamos uma cadeira para as RPPN no Consema SC. Pela sua experiência, o que diria da atuação dos Conselhos?
Mario Mantovani: São outros tempos, fiz isso nos anos 80 enquanto buscávamos consolidar as legislações ambientais, tive muita superação, pois a cada confronto com o poder público, buscávamos saídas para a mobilização da sociedade. Exemplos disso foram os prefeitos que quiseram subjugar os Conselhos e nos rachas e confrontos esses grupos de cidadãos se tornavam ONGs ambientalistas em resposta. Foram muitas as outras formas de enfrentamento e até de desobediência civil, nos anos da redemocratização do estado, com a criação dos Consórcios Intermunicipais de Bacias Hidrográficas contestamos a gestão centralizada, e de geração de energia dos recursos hídricos. Os Governos sempre se adaptaram aos tempos e buscam permanentemente cooptar a sociedade. Quando os Conselhos deixaram de fazer política pública de meio ambiente e começaram a ser uma extensão dos Aparelhos de Gestão, começaram a licenciar obras, os ambientalistas a serem votos vencidos e legitimando processos, eu procurei me afastar. O caso da Usina do Tijuco Alto do Grupo Votorantin foi a gota d’água! Para meus amigos deixo o alerta: acredito que temos muitos caminhos para ajudar o meio ambiente e as RPPNs. Sejam vigilantes e denunciem essas práticas!

"Não acredito em Papai Noel, acredito que o pouco que temos precisa ser valorizado e o proprietário rural reconhecido..."


Fernando e Mario no Viva a Mata 2007, realizado no Parque do Ibirapuera, São Paulo.
Foto: Luiz Alberto dos Santos.

Fernando e Chris: O Consema SC estuda o Licenciamento Ambiental Municipal. Como você vê essa questão? Acredita que é possível os municípios cuidarem de maneira responsável o trato com o meio ambiente?
Mario Mantovani: Uma das maiores realizações de minha história foi acreditar na gestão local, antes mesmo da Constituição de 1988 já tinha proposto ações locais e ajudado numa publicação um livro sobre Política Municipal de Meio Ambiente. Daquele momento pra hoje conseguimos idealizar e criar a ANAMMA e ter mais de 10 votos no CONAMA, abrir espaços de trabalhos para muitas de nossas lideranças, aproximar as questões ambientais da população, e buscar superar a maior dificuldade da gestão ambiental no Brasil. Fazer com que o SISNAMA deixe de ser um corpo somente com os membros superiores e sem os pés ou a conseqüente capilaridade. Se conseguirmos que os recursos irriguem todos os membros vamos realizar esse ideal. O SUS foi cópia dessa proposta e vem se consolidando. Nós temos um longo caminho pela frente, muito a superar... Descrenças e desconfianças que precisam ser superadas para a gestão ambiental ser em todos os níveis de governo. Se não, estaremos fadados ao fracasso ambiental e da cidadania. Pensar Globalmente e agir localmente nunca estiveram tão atuais.

Fernando e Chris: Mudanças climáticas, extinção de espécies, perda da biodiversidade, esgotamento dos recursos renováveis, poluição dos oceanos... Dá para ser otimista Mario?

Mario Mantovani: Não sou especialista em previsões apocalípticas e o tema fim do mundo não é meu preferido... Mas sou otimista pelo que faço, pelas pessoas que conheço, pelo que acontece em nossa volta, por saber que meus ideais de vida continuam com o mesmo entusiasmo da juventude aceitei o desafio... A luta continua!

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