Moradores da zona rural penam para conseguir água (suja) em São Raimundo Nonato (Piauí)
Murilo Garavello - Enviado especial do UOL
Em São Raimundo Nonato (PI) Maria Rodrigues, 58, caminha cerca de 15 quilômetros diariamente, metade deles equilibrando sobre a cabeça um balde cheio. Jaime Pindaíba, 60, precisa cavar em um barreiro. Raimundo Fernandes, 49, vai a quatro lugares diferentes com o "coitado" do seu cavalo. Zélia de Sousa Marques, 46, se espreme em uma cratera.
Lagoa que dá nome à comunidade Lagoa do Canto, em São Raimundo Nonato, totalmente seca após 7 meses sem chuva dificuldade para obter água não é o único ponto comum a estas quatro pessoas, que moram em quatro comunidades da zona rural de São Raimundo Nonato. Todas ingerem uma água turva, quase marrom, e possuem animais -o que implica em uma demanda ainda maior do líquido. Nenhuma delas conta com uma cisterna em sua casa.
Lagoa que dá nome à comunidade Lagoa do Canto, em São Raimundo Nonato, totalmente seca após 7 meses sem chuva dificuldade para obter água não é o único ponto comum a estas quatro pessoas, que moram em quatro comunidades da zona rural de São Raimundo Nonato. Todas ingerem uma água turva, quase marrom, e possuem animais -o que implica em uma demanda ainda maior do líquido. Nenhuma delas conta com uma cisterna em sua casa.
Zélia de Sousa Marques, 46, sai de cratera em que retira água em São Raimundo Nonato
Cisterna é uma espécie de tanque que armazena a água da chuva ao fazê-la, por meio de calhas, escoar do telhado das residências. Como são cobertas, reduzem a evaporação e o acúmulo de sujeira. O tipo mais comum comporta 16 mil litros.
É uma cisterna como essa que permitiu a Amanda Rodrigues dos Santos, 59, que mora no bairro Boi Morto, manter-se até o fim de setembro com a água das fortes chuvas de fevereiro. A quilômetros dali, na comunidade Lagoa do Canto, Alcides Gomes de Sousa, 85, permanece abastecido há dois anos: à água das chuvas de 2006 somou-se a de 2007. Alcides possui uma cisterna desde 1999 e, além disso, forma-se em sua propriedade um barreiro, de onde extrai água para o sustento dos mais de 50 animais que possui. E com o qual auxilia coterrâneos menos favorecidos.
Alcides Gomes de Sousa caminha por sua propriedade em São Raimundo Nonato
Uma das "sem-cisterna" beneficiadas é Maria Rodrigues, que mora a cerca de dois quilômetros de Alcides e viaja duas ou três vezes ao dia para buscar água para beber e cozinhar. Maria também percorre uma distância de mais de um quilômetro diariamente atrás de um poço com "água salgada demais" para dar aos bichos. A mesma que ela usa para tomar banho, "sem sabonete, porque não dá pra usar sabonete com essa água", diz, referindo-se ao fato de que a mistura de água salgada e sabonete não produz espuma.
Agostim de Sousa Martins, 70, que mora em São Braz do Piauí
Raimundo Fernandes, do Boi Morto, enfrenta problemas semelhantes aos de Maria Rodrigues. "Tomo banho em água poluída, mesmo, não tem jeito", diz. Todos os dias? "Nem que seja um litro de água só, pelo menos eu me molho. Mas não dá pra dizer que eu fico banhado, não", afirma o agricultor.
Luísa Lopes Martins, 69, planta caju em São Raimundo Nonato
Fernandes acopla uma carroça ao seu cavalo para buscar água em quatro lugares diferentes: para cozinhar, de uma cacimba distante cinco quilômetros de onde mora; para as obras, de uma barragem que fica a quatro quilômetros; para os animais, de uma outra cacimba -"se usar essa água na obra, ela não fica firme"-; pra beber, ou seja, a água mais límpida, percorre sete quilômetros até chegar a uma cisterna.
Pássaro morto encontrado em represa cuja água moradores de São Braz do Piauí bebem
Jaime Pindaíba, habitante da comunidade "Vermelhinho", mais de 30 km afastada do centro de São Raimundo Nonato, não precisa percorrer grandes distâncias. Mas obter o que beber é um serviço braçal: ele cava o solo de um barreiro para encontrar água. E, com boca seca e voz pastosa, lamenta, quase sussurando: "tem vezes que a gente fica sem tomar banho para poder beber água".
Raimundo de Lucena, 79, é um dos agricultores de Santa Luz que teve prejuízosNa comunidade São Victor, a um quilômetro dali, lenço na cabeça e baldes na mão, Zélia de Sousa Marques, 46, emerge de um buraco, carregando uma água barrenta. Diferente do que ocorre na maior parte dos barreiros, açudes e cacimbas de onde se extrai água na região, a que Zélia usa não é cercada por galhos. Ou seja, animais podem entrar ali e soltar seus dejetos. "Eu uso essa água mais pra lavar a roupa e a louça. Mas tem vezes que bebo, sim", diz.
Raimundo Pereira caminha por chão seco perto de onde mora, em São Raimundo Nonato
Dona de uma casa em Lagoa do Canto, Joana Sousa de Jesus, sofre com a seca da lagoa que dá nome ao bairro, que fica cheia até a metade do ano. No entanto, com uma situação financeira um pouco menos frágil, a mãe-de-família de 57 anos uniu-se a duas vizinhas e contratou um caminhão-pipa. "O problema é que não dura nem um mês. E não tenho todo esse dinheiro, não", diz a agricultora, que neste ano plantou feijão, milho, melancia e mandioquinha. Com a seca, só colheu "uma leva de feijão murcho".
Apesar das dificuldades enfrentadas pela população rural, a prefeitura de São Raimundo Nonato contratou apenas um caminhão-pipa neste ano, de acordo com o secretário de administração, Genérton dos Santos, para a distribuição de água em escolas. Genérton diz que a recuperação de 30 poços tubulares e a abertura de quatro novos foram as únicas ações do município contra a seca. "Não investimos recursos próprios em cisternas, não", afirma. "Isso não está planejado".
Em São Raimundo Nonato, ovelhas procuram comida em meio à caatinga
Assim, a maior parte das cisternas da região são fruto da ação da Articulação do Semi-Árido (ASA), ONG que reúne mais de 700 entidades da sociedade civil para combater os efeitos da seca no país. A ASA tem um programa denominado "Um Milhão de Cisternas" que, em menos de quatro anos, construiu no Nordeste 215.777 cisternas -destas, 20.532 no Piauí, 443 em São Raimundo Nonato.
Nenhum comentário:
Postar um comentário