Uma RPPN diferente, criada não onde existe uma mata, mas onde uma floresta está nascendo: O renomado fotógrafo Sebastião Salgado e sua esposa Lélia Wanick apostaram na idéia de recuperar um local que mais parecia o solo lunar, de tão devastado e árido.
A reportagem do Globo Rural mostra a experiência do renascimento da Mata Atlântica na Fazenda Bulcão e do trabalho do Instituto Terra. E Sebastião Salgado setencia sobre a humanidade: "...caminhamos contra a parede..." e Lélia complementa: "...os seres humanos não farão a mínima falta para o planeta..."
A fazenda, que chegou a ter 1,2 mil cabeças de gado, onde só havia pasto, aos poucos está virando floresta Atlântica. A Fazenda Bulcão, que fica em Aimorés, Minas Gerais, na divisa com o Espírito Santo, foi transformada num instituto que leva o nome do nosso planeta: Terra.
Quanto tempo é necessário para derrubar uma floresta? Hoje em dia, com equipamentos cada vez mais eficazes, isso é questão de semanas ou dias. E quanto tempo precisa para formar uma floresta em lugares onde árvore é só uma lembrança? Aí, o tempo se mede em décadas, ou séculos. Mas os primeiros resultados podem ser visíveis bem mais cedo.
Até 1998, a paisagem na fazenda Bulcão era de grandes pastos, solo degradado, erosão. Hoje o visual é bem diferente. A mudança na paisagem veio do sonho da arquiteta Lélia Wanick e do fotógrafo Sebastião Salgado.
Quem não gostou muito foi o antigo dono das terras. O seu Sebastião, pai do Sebastião fotógrafo, passou a vida substituindo floresta por pasto para criar gado. Jamais poderia imaginar que o filho seguiria o caminho inverso: acabar com o gado e o pasto para replantar árvores. “O meu pai achava que era uma coisa completamente sem sentido usar uma terra, que ele achava que a gente até podia viver dela, transformar numa floresta. E mais: que nós não somos ricos. A gente gastando o pouco de reserva que a gente tinha para iniciar esse projeto e o pessoal da cidade não acreditava, ficava grupinho de fazendeiro rindo da gente, achando que a gente estava fazendo uma loucura.”
O primeiro passo rumo ao sonho: transformar a fazenda degradada em floresta. E criaram uma RPPN - Reserva Particular do Patrimônio Natural. Assim surgiu o Instituto Terra, uma associação civil, sem fins lucrativos, voltada para a preservação do meio ambiente. “Na verdade, a gente tinha uma idéia e foi regando essa idéia e isso foi se transformando num ideal, com as pessoas junto, numa planta imensa”, diz o casal.
No berçário da floresta há mudas de árvores nativas como o jequitibá, pau-brasil, paracaju e café-do-mato. Quanto maior a variedade melhor, já que a idéia é reconstituir a Mata Atlântica, uma das florestas com a maior biodiversidade do planeta.
Mais tarde, o plantio no campo deve seguir princípios ecológicos bem definidos. Numa floresta, as primeiras espécies a surgir são as pioneiras, árvores que precisam de muita luz, crescem rápido e fazem a sombra necessária para as espécies seguintes, as secundárias. Por último vêm as chamadas "espécies clímax". Essas são as mais altas da floresta.
Na área onde o plantio é recente dá para observar bem o espaçamento. “Nós trabalhamos com 2 X 2. Dá quatros metros quadrados por planta, que daria 2.300 a 2.500 plantas por hectare. Em via de regra nós trabalhamos com 60% de espécies pioneiras, com 30% a 35% de espécies secundárias e de 5% a 10% de espécies clímax. O custo está girando em torno de R$ 7 mil por hectare”.
Hoje, dos 710 hectares da fazenda metade já recebeu novas mudas. O manejo procura sempre associar a recuperação da floresta com algum ganho para o agricultor. Isso para estimular a preservação. É o que acontece na área onde não existiu plantio nenhum.
“Essa capoeira estava muito infestada de cipós, taquaras e espécies pioneiras, que estavam dominando e colocando essa capoeira em degeneração. Então, nós estamos fazendo um manejo que consiste não em eliminar indivíduos, mas fazendo desramas, tirando os ramos dos indivíduos que estão em excesso, competindo na própria planta. O fruto dessa desrama é a lenha. Nós tiramos de dentro da mata para poder mensurar, que era um serviço que o produtor poderia fazer, beneficiando a floresta, aumentando a diversidade e obtendo um produto que é a lenha”, revela Jaeder.
O plantio, no Instituto Terra, não é só de mudas. No lugar também se plantam idéias. Os alunos do centro de estudos avançados do Instituto Terra são jovens técnicos agrícolas que buscam especialização em meio ambiente.
A maioria aqui vem de família rural. Daniel veio de Ipanema, Minas. Ele é da primeira turma de alunos e terminado o curso foi contratado para trabalhar no viveiro de mudas.
O rapaz, que deveria levar seus conhecimentos para ajudar o pai na criação de gado de leite, acabou virando plantador de árvores.
“Gera conflito dentro da própria casa e eu que estou aqui fora porque o meu avô, até mesmo meu pai e minha mãe, vão precisar de madeira e, muitas vezes, em vez de trabalhar sustentavelmente acabam cortando árvores pra fazer cerca, pra fazer construção civil mesmo”, disse Daniel.
Oitenta por cento dos recursos que mantêm o instituto vem do exterior. É um investimento que mudou a vida de muita gente. O jardineiro Manoel Bernardo Lopes já foi o vaqueiro Manoel, nos tempos do velho Sebastião Salgado. “No início a gente estranhou porque a gente já tinha até mesmo pego amor pelas criações. Então, para ver ir todo mundo embora ficou meio estranho. Não passa sem doer um pouco o coração. Agora eu tenho o amor nas plantas, e até mais ainda”, revela.
O curral onde seu Manoel passava a maior parte do tempo está bem mudado, quase não se percebe que é o mesmo lugar. Ele cuida das plantas do jardim como se fossem dele. Afinal, o jardim fica mesmo na porta da sua casa. Ele é o único funcionário que mora dentro da área do instituto. Ele e dona Rita Lopes participaram das primeiras conversas de Lélia e Sebastião sobre a necessidade de recuperar a natureza. “Eu não sabia desse perigo de acabar a água. Eu vivia aqui e não pensava nisso. Então, quando ele falou: ‘Rita, o lugar que tem mais água doce no mundo é o Brasil e ela está lá no Amazonas. É o lugar que tem mais água. E a água está acabando. Então nós precisamos acudir essas nascentes’. Eu acreditei que ia dar certo porque ele falou: ‘Rita, vai demorar dez anos’. Porque se ele falasse daqui a uma semana está pronto, aí era uma fantasia. Mas ele falou: daqui a dez anos nós temos mata de satisfazer o olho da gente”.
E demorou até menos. Há árvores com até 12 metros de altura na primeira área reflorestada na fazenda. Com exceção de algumas perobas mais antigas, todas as árvores foram plantadas pelo homem. Hoje a mata não precisa mais de manejo, já tem regeneração natural e até uma nascente voltou a brotar. À sombra destas árvores fica até difícil imaginar que tudo isso um dia já foi pasto.
ASSISTA A REPORTAGEM NA ÍNTEGRA EM DUAS PARTES:
Parte II:
A reportagem do Globo Rural mostra a experiência do renascimento da Mata Atlântica na Fazenda Bulcão e do trabalho do Instituto Terra. E Sebastião Salgado setencia sobre a humanidade: "...caminhamos contra a parede..." e Lélia complementa: "...os seres humanos não farão a mínima falta para o planeta..."
A fazenda, que chegou a ter 1,2 mil cabeças de gado, onde só havia pasto, aos poucos está virando floresta Atlântica. A Fazenda Bulcão, que fica em Aimorés, Minas Gerais, na divisa com o Espírito Santo, foi transformada num instituto que leva o nome do nosso planeta: Terra.
Quanto tempo é necessário para derrubar uma floresta? Hoje em dia, com equipamentos cada vez mais eficazes, isso é questão de semanas ou dias. E quanto tempo precisa para formar uma floresta em lugares onde árvore é só uma lembrança? Aí, o tempo se mede em décadas, ou séculos. Mas os primeiros resultados podem ser visíveis bem mais cedo.
Até 1998, a paisagem na fazenda Bulcão era de grandes pastos, solo degradado, erosão. Hoje o visual é bem diferente. A mudança na paisagem veio do sonho da arquiteta Lélia Wanick e do fotógrafo Sebastião Salgado.
Quem não gostou muito foi o antigo dono das terras. O seu Sebastião, pai do Sebastião fotógrafo, passou a vida substituindo floresta por pasto para criar gado. Jamais poderia imaginar que o filho seguiria o caminho inverso: acabar com o gado e o pasto para replantar árvores. “O meu pai achava que era uma coisa completamente sem sentido usar uma terra, que ele achava que a gente até podia viver dela, transformar numa floresta. E mais: que nós não somos ricos. A gente gastando o pouco de reserva que a gente tinha para iniciar esse projeto e o pessoal da cidade não acreditava, ficava grupinho de fazendeiro rindo da gente, achando que a gente estava fazendo uma loucura.”
O primeiro passo rumo ao sonho: transformar a fazenda degradada em floresta. E criaram uma RPPN - Reserva Particular do Patrimônio Natural. Assim surgiu o Instituto Terra, uma associação civil, sem fins lucrativos, voltada para a preservação do meio ambiente. “Na verdade, a gente tinha uma idéia e foi regando essa idéia e isso foi se transformando num ideal, com as pessoas junto, numa planta imensa”, diz o casal.
No berçário da floresta há mudas de árvores nativas como o jequitibá, pau-brasil, paracaju e café-do-mato. Quanto maior a variedade melhor, já que a idéia é reconstituir a Mata Atlântica, uma das florestas com a maior biodiversidade do planeta.
Mais tarde, o plantio no campo deve seguir princípios ecológicos bem definidos. Numa floresta, as primeiras espécies a surgir são as pioneiras, árvores que precisam de muita luz, crescem rápido e fazem a sombra necessária para as espécies seguintes, as secundárias. Por último vêm as chamadas "espécies clímax". Essas são as mais altas da floresta.
Na área onde o plantio é recente dá para observar bem o espaçamento. “Nós trabalhamos com 2 X 2. Dá quatros metros quadrados por planta, que daria 2.300 a 2.500 plantas por hectare. Em via de regra nós trabalhamos com 60% de espécies pioneiras, com 30% a 35% de espécies secundárias e de 5% a 10% de espécies clímax. O custo está girando em torno de R$ 7 mil por hectare”.
Hoje, dos 710 hectares da fazenda metade já recebeu novas mudas. O manejo procura sempre associar a recuperação da floresta com algum ganho para o agricultor. Isso para estimular a preservação. É o que acontece na área onde não existiu plantio nenhum.
“Essa capoeira estava muito infestada de cipós, taquaras e espécies pioneiras, que estavam dominando e colocando essa capoeira em degeneração. Então, nós estamos fazendo um manejo que consiste não em eliminar indivíduos, mas fazendo desramas, tirando os ramos dos indivíduos que estão em excesso, competindo na própria planta. O fruto dessa desrama é a lenha. Nós tiramos de dentro da mata para poder mensurar, que era um serviço que o produtor poderia fazer, beneficiando a floresta, aumentando a diversidade e obtendo um produto que é a lenha”, revela Jaeder.
O plantio, no Instituto Terra, não é só de mudas. No lugar também se plantam idéias. Os alunos do centro de estudos avançados do Instituto Terra são jovens técnicos agrícolas que buscam especialização em meio ambiente.
A maioria aqui vem de família rural. Daniel veio de Ipanema, Minas. Ele é da primeira turma de alunos e terminado o curso foi contratado para trabalhar no viveiro de mudas.
O rapaz, que deveria levar seus conhecimentos para ajudar o pai na criação de gado de leite, acabou virando plantador de árvores.
“Gera conflito dentro da própria casa e eu que estou aqui fora porque o meu avô, até mesmo meu pai e minha mãe, vão precisar de madeira e, muitas vezes, em vez de trabalhar sustentavelmente acabam cortando árvores pra fazer cerca, pra fazer construção civil mesmo”, disse Daniel.
Oitenta por cento dos recursos que mantêm o instituto vem do exterior. É um investimento que mudou a vida de muita gente. O jardineiro Manoel Bernardo Lopes já foi o vaqueiro Manoel, nos tempos do velho Sebastião Salgado. “No início a gente estranhou porque a gente já tinha até mesmo pego amor pelas criações. Então, para ver ir todo mundo embora ficou meio estranho. Não passa sem doer um pouco o coração. Agora eu tenho o amor nas plantas, e até mais ainda”, revela.
O curral onde seu Manoel passava a maior parte do tempo está bem mudado, quase não se percebe que é o mesmo lugar. Ele cuida das plantas do jardim como se fossem dele. Afinal, o jardim fica mesmo na porta da sua casa. Ele é o único funcionário que mora dentro da área do instituto. Ele e dona Rita Lopes participaram das primeiras conversas de Lélia e Sebastião sobre a necessidade de recuperar a natureza. “Eu não sabia desse perigo de acabar a água. Eu vivia aqui e não pensava nisso. Então, quando ele falou: ‘Rita, o lugar que tem mais água doce no mundo é o Brasil e ela está lá no Amazonas. É o lugar que tem mais água. E a água está acabando. Então nós precisamos acudir essas nascentes’. Eu acreditei que ia dar certo porque ele falou: ‘Rita, vai demorar dez anos’. Porque se ele falasse daqui a uma semana está pronto, aí era uma fantasia. Mas ele falou: daqui a dez anos nós temos mata de satisfazer o olho da gente”.
E demorou até menos. Há árvores com até 12 metros de altura na primeira área reflorestada na fazenda. Com exceção de algumas perobas mais antigas, todas as árvores foram plantadas pelo homem. Hoje a mata não precisa mais de manejo, já tem regeneração natural e até uma nascente voltou a brotar. À sombra destas árvores fica até difícil imaginar que tudo isso um dia já foi pasto.
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