quarta-feira, 13 de julho de 2011

AMIGO DO HOMEM, INIMIGO DA NATUREZA

Cachorro doméstico flagrado por armadilha fotográfica dentro da Unidade de Conservação.

O cachorro não é o melhor amigo da natureza


Em vários ecossistemas, eles vêm causando danos consideráveis
por Julie Young

Muito já se estudou sobre a ameaça dos gatos criados soltos, abandonados ou resultado de cruzamento com gatos selvagens e sem dono à natureza, mas o mesmo não foi feito em relação aos cães nessa mesma situação, apesar de eles serem um problema maior que os felinos em muitos locais.

A ideia surgiu de nosso trabalho na Mongólia com espécies em extinção em 2007. Eu e meu colega Joel Berger estávamos pesquisando o antílope saiga e conhecíamos os pesquisadores Rich Reading e Kirk Olsen porque eles trabalhavam com o argali e a gazela naquele país. Descobrimos que os cães da região estavam atacando todas as três espécies e analisamos seu impacto. Depois, por dois anos, reunimos 28 estudos em todo o mundo que relatam situação semelhante. Os cães estão onde o homem está — a única exceção talvez seja a Antártida: são 500 milhões de cachorros no mundo. Eles ameaçam outros animais de três formas. Em alguns casos, causam problemas simplesmente porque estão no mesmo local que os animais selvagens (por exemplo, quando alguém passeia com seu cachorro em uma floresta), afugentando animais. Outras vezes, eles transmitem doenças ou se tornam predadores. E desequilibram os ecossistemas.

Em Northland, na Nova Zelândia, por exemplo, dois estudos (feitos em 1988 e 1997) mostram que um único cão solto foi a causa de 70% das mortes de kiwis, pássaros típicos daquele lugar. No sudeste brasileiro, gatos e cachorros abandonados alteraram a cadeia alimentar ao começarem a comer pássaros, insetos e pequenos mamíferos, mostra um estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba, interior de São Pulo, publicado em 2007. Em alguns casos, os cães podem causar um impacto maior em número de mortes que os predadores naturais.



Essa disputa por território também foi observada em Brasília (DF), entre 2006 e 2009, no Parque Nacional conhecido como Água Mineral. O lobo-guará e o tamanduá gigante afastaram-se para áreas que estão ainda mais distantes da cidade por causa de cães abandonados que os ameaçavam. E, no Colorado, Estados Unidos, pequenos mamíferos, cervos e linces começaram a evitar trilhas em que pessoas passeavam com seus cachorros. Além disso, a população de cães de pradaria, esses sim, espécies que fazem parte daquele ecossistema, diminuiu.

Os cães podem se tornar ainda vetores de doenças, pois fazem a troca de parasitas entre humanos e animais selvagens. O vírus da cinomose canina, por exemplo, foi transmitido de cães domésticos para focas do Lago Baikal, na Rússia, resultando na diminuição delas, na década de 90.

Na Mongólia, campanhas públicas para donos de cachorros em Ikh Nart resultaram em apoio a programas para adestramento de cães a fim de reduzir o conflito com animais selvagens. E foram essenciais para diminuirmos as mortes causadas por eles. Vimos que os custos da prevenção compensam os gastos associados com os impactos, por exemplo, no caso da transmissão da raiva. O custo anual da vacina antirrábica na Ásia é de US$ 52 milhões. Enquanto isso, o custo de perdas de gado por causa de mordidas de cães raivosos é de US$ 10,3 bilhões e o tratamento de infecções em humanos fica entre US$ 179,8 milhões e US$ 251,7 milhões. Os custos serão provavelmente maiores ainda depois de medidos os impactos na vida selvagem e sobre outros animais domésticos. Assim como repovoar uma área de animais selvagens em extinção é muito mais difícil e caro que vacinar e fazer campanhas.

Aos donos de cachorros, sugerimos simplesmente mantê-los sob controle durante o passeio, além de bem alimentados e vacinados, e longe de áreas selvagens. E, se estiverem caminhando numa área de vida selvagem, vá com seu cão ao seu lado e impeça que ele persiga ou maltrate outros animais.

Julie K. Young é bióloga da Universidade de Utah e supervisiona a Estação de Pesquisa de Predadores do Centro Nacional de Pesquisa de Vida Selvagem do Depto. Americano de Agricultura

Fonte: Revista Galileu

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